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Boa noite...
Venho, nesta fria e chuvosa noite de Inverno, fazer, por este meio, rasgado elogio a uma das maiores obras arquitectónicas de Portugal. Um empreendimento nunca antes visto, ao tempo da sua construção, dedicado à beleza e ao mito, e cujos propósitos não se limitam a uma casa de receber bem. Não, de todo... Para além do Palácio, outras obras e feitos da engenharia povoam este canto de serra. Não necessariamente dedicadas ao conforto físico dos habitantes da moradia principal, são peças de um puzzle filosófico, a descobrir por quem percorra os caminhos escondido na pedra e na vegetação... Desde descer ao Inferno, pelo poço iniciátioco e fazer o caminho de Orfeu novamente até à luz, até subir aos Céus, nas torres do palácio, tudo é possível neste lugar de espiritualidade transcendente...
"Situada em pleno Centro Histórico de Sintra, classificado Património Mundial pela UNESCO, a Quinta da Regaleira é um lugar com espírito próprio. Edificado nos primórdios do Século XX, ao sabor do ideário romântico, este fascinante conjunto de construções, nascendo abruptadamente no meio da floresta luxuriante, é o resultado da concretização dos sonhos mito-mágicos do seu proprietário, António Augusto Carvalho Monteiro (1848-1920), aliados ao talento do arquitecto-cenógrafo italiano Luigi Manini (1848-1936).
A imaginação destas duas personalidades invulgares concebeu, por um lado, o somatório revivalista das mais variadas correntes artísticas - com particular destaque para o gótico, o manuelino e a renascença - e, por outro, a glorificação da história nacional influenciada pelas tradições míticas e esotéricas.
A Quinta da Regaleira é um lugar para se sentir. Não basta contar-lhe a memória, a paisagem, os mistérios. Torna-se necessário conhecê-la, contemplar a cenografia dos jardins e das edificações, admirar o Palácio dos Milhões, verdadeira mansão filosofal de inspiração alquímica, percorrer o parque exótico, sentir a espiritualidade cristã na Capela da Santíssima Trindade, que nos permite descermos à cripta onde se recorda com emoção o simbolismo e a presença do além. Há ainda um fabuloso conjunto de torreões que nos oferecem paisagens deslumbrantes, recantos estranhos feitos de lenda e saudade, vivendas apalaçadas de gosto requintado, terraços dispostos para apreciação do mundo celeste.
A culminar a visita à Quinta da Regaleira, há que invocar a aventura dos cavaleiros Templários, ou os ideais dos mestres da maçonaria, para descer ao monumental poço iniciático por uma imensa escadaria em espiral. E, lá no fundo com os pés assentes numa estrela de oito pontas, é como se estivéssemos imerses no ventre da Terra-Mãe. Depois, só nos resta atravessar as trevas das grutas labirínticas, até ganharmos a luz, reflectida em lagos surpreendentes."
in http://www.cm-sintra.pt/Artigo.aspx?ID=2907
"Memória histórica
A documentação histórica relativa à Quinta da Regaleira é escassa para os tempos anteriores à sua compra por Carvalho Monteiro. Sabe-se todavia que, em 1697, José Leite adquiriu uma vasta propriedade no termo da vila de Sintra que corresponderia, aproximadamente, ao terreno que hoje integra a dita Quinta - a esta data parecem remontar, pois, as origens da quinta em questão.
Francisco Alberto Guimarães de Castro comprou a propriedade - conhecida como Quinta da Torre ou do Castro - em 1715, em hasta pública e, após as licenças necessárias, canalizou a água da serra a fim de alimentar uma fonte ai existente.
Em 1800, a quinta é cedida a João António Lopes Fernandes estando logo, em 1830, na posse de Manual Bernardo, data em que tomou a designação que actualmente possui. Em 1840, a Quinta da Regaleira foi adquirida pela filha de uma grande negociante do Porto, Allen, que mais tarde foi agraciada com o título de Baronesa da Regaleira. Data provavelmente deste período a construção de uma casa de campo que é visível em algumas representações iconográficas de finais do século XIX.
A história cia Regaleira actual principia, todavia, em 1892, alio em que os barões da Regaleira vendem a propriedade ao Dr. António Augusto Carvalho Monteiro por 25 contos de réis (Anacleto, 1994: 241).
O célebre “Monteiro dos Milhões” nasceu no Rio de Janeiro em 1848, filho de pais portugueses, que cedo o trouxeram para Portugal. Licenciado em Leis pela Universidade de Coimbra, Monteiro foi um distinto coleccionador e bibliófilo, detentor de uma das mais raras camonianas portuguesas, homem de cultura que decerto influenciou, se não determinou mesmo, parte bastante razoável do misterioso programa iconográfico do palácio que construiu para si, nas faldas da serra de Sintra
A Quinta de Regaleira possui uma grande variedade de espécies vegetais, cultivadas ou espontâneas. A imagem presente é de uma Dedaleira, mais precisamente Digitalis Purpurea, uma planta venenosa, que pode ser inclusivamente fatal devido à presença de digitalina.
Um fonte guardada por dois pequenos monstros aquáticos marca uma entrada para os túneis que desaguam no poço iniciático. A partir deste ponto e seguindo pelo túnel, a saída encontra-se a meio da escada em caracol que leva ao fundo do poço e aos túneis que vão sair à cascata.
Poço Iniciático
Por toda a quinta andam espalhadas figuras simbólicas, elementos decorativos do oculto, como este bode que faz parte de um grande vaso. Neste local em particular, podemos encontrar um banco em semi-círculo, acompanhado de uma grande mesa e uma fonte na parede em frente, feita a partir de um acidente do terreno e com a inicias do último dono da Quinta.
Admitam, vá, já estavam a estranhar a minha ausência... Pois é, como não quero, de todo, desapontar-vos, aqui estou eu, a posar nuns arcos perto da entrada, com o palácio como vista de fundo. A título de curiosidade, saibam que a Quinta da Regaleira aparece na mini série As viagens de Gulliver, salvo erro na parte quem o Gulliver encontra a corte que não morre, pois detém o controlo sobre uma fonte da juventude... Mas como se sabe, tudo tem um preço, e a vida eterna não é excepção, à medida que bebem para se manterem vivas e jovens, vão ficando decrépitas e perdem faculdades, apesar da sua aparência agradável...
Pérola da fotografia com mania que é artística, este espaço tem todos os elementos que as mentes mais excêntricas podem desejar, desde uma decoração mais romântica e em pedra branca, até às torres com ar medieval e desgastadas pelo tempo e pela "cinzentês" das pedras da sua construção...
Mas não só de belas produções arquitectónicas vive este lugar mágico. Nele residem também o mito e a lenda, como prova este azulejo. Segundo a lenda, no sítio onde está implantado este azulejo monocromático, já esteve ou está ainda, consoante as versões, guardado o Graal, que para aqui teria sido trazido há muito tempo, ainda não havia quinta, e que aqui teria ficado. Para outros, daqui partiu depois, não se sabendo bem quando, para uma igreja escocesa que tem uma inscrição que reza o seguinte: aqui jaz o Santo Graal trazido de uma quinta de Portugal...
Ao longo de uma fileira, se apresentam estátuas de evocação clássica, com figuras da mitologia grega e romana. Neste caso, apresenta-se, salvo erro, Orfeu, grande música que partiu com os Argonautas e que desceu aos infernos e negociou com Hades para recuperar a sua amada. O deus do submundo comoveu-se com a sua música e autorizou Orfeu e levar de novo a sua esposa para a vida, mas com a condição de que esta seguiria atrás dele até sair do inferno e que este não poderia voltar-se para trás para vê-la enquanto não estive para lá dos seus portões. Claro está, como em todas as grandes histórias clássicas, também aqui, desgraça... Orfeu, corroído pela ansia de ver a sua amada e na dúvida de ter sido enganado por Hades, voltou-se ao último passo antes de sair do inferno, confirmou que a sua mulher o seguia e que não havia sido enganado pelo deus, mas ao fazê-lo perdeu-a para sempre desta vez pois não cumprira o acordado, tendo esta desvanecido em fumo perante os seus olhos...
Tendência para olhar para a esquerda... Mais uma vez, têm de aturar a minha insistente vontade de ocupar o espaço envolvente, impedindo os fiéis leitores de apreciar convenientemente o lugar visitado...
Mais um pormenor que merece referência, como tantos outros que aqui não estão por distração minha, por falta de espaço de armazenamento, por falta de tempo para ver toda a Quinta com olhos de ver, enfim, tantos motivos para voltar lá e rever tudo com mais atenção... Nesta imagem, um ser da mitologia, como não podia deixar de ser, uma cara de Pã, deus dos campos e da terra, protector dos animais e dos pastores. Um deus da vida e da felicidade, com atributos de animal montês, tantas vezes e por tantos século tornado demónio de uma religião que não era a sua e da qual, se lhe tivessem perguntado, não desejaria fazer parte...
Por último, a rainha Leda, que concebeu pela bicada de um cisne... Ao que parece a gravidez divina e sem intervenção física é algo muito popular e nada exclusivo da cristandade. Mas esta estátua em particular, encomendada ao gosto do mentor da obra total, ao que me foi informado, representa o espírito ecuménico do criador do espaço mágico-espiritual da Quinta. Como podem ver, Zeus, na forma de cisne bica a perna da rainha Leda, que segura na suas mãos uma pomba, símbolo do Espírito Santo cristão.
Espero sinceramente que tenham apreciado esta pequena súmula de visões sobre um monomento nacional e da humanidade que está aqui tão perto de Lisboa e que parece passar despercebido ao comum dos mortais. Na verdade, parece que só os Românticos e os apaixonados pela história ou pelo oculto conhecem este magnífico local, onde se pode descobrir toda uma dimensão da cultura em Portugal que raramente nos é revelada na escola. Muito ficou por dizer sobre esta exuberante parte do património da nossa lusitana praia, mas assim sempre é mais um motivo para visitar a Quinta da Regaleira...
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